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9 de junho de 2015

Que nunca por vencidos se conheçam

Todas as auroras eu vestia o meu fato de coragem à prova de derrotas e carregava às costas o meu seguro de vida. Passaram quase vinte anos e ainda sinto o peso da minha mochila verde. 

As caras cansadas dos meus camaradas ainda me aparecem em alguns pesadelos embalados pela recordação dos estrondos que saiam dos canos das nossas armas. 


Lembro-me do calor intenso que me dificultava a respiração, e o cheiro da terra arada onde marchava era tão quente quanto o sol que me fazia cerrar os olhos. Creio que muitas dessas adversidades se tornavam insuportáveis só porque te sentia a falta. A tua ausência doía mais que o aperto das botas.

Confesso que todos os dias tinha medo. Medo de perder um braço ou uma perna. Medo de não voltar para casa para o conforto da minha família. Essencialmente, tinha medo de não voltar para ti. Ou voltar como uma pessoa diferente. Mas lá ensinam-nos a lutar sem medo; a vencer sempre; a nunca ser vencidos. E com essas palavras envoltas no meu pára-quedas eu sentia-me a salvo.

E ainda hoje carrego às costas o seguro. O meu seguro de vida, que me salvaguardaria da tua desistência de mim. Mas ainda temo esse dia, porque o sei possível. O meu pára-quedas é daqueles que pode não abrir, eu sei. Mas preciso dele. Preciso porque sei que a estrada em que caminho pode abrir-se de repente, com a tua partida. 

Se tu faltas, falta-me o chão. Se me falta o chão é porque já não estás, e a queda-livre pelo teu amor desaparecido torna-se a minha nova realidade. 

E essa, é a única queda que não quero dar. Nunca.



Uma outra versão, por Vasco Jardim: "Cronologia de uma queda"


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