Translate

5 de junho de 2015

Da minha janela


Todos os dias ele vai ao mesmo café, pela mesma hora. Não sei se pelo delicioso cappuccino de baunilha que lá fazem, se pela elegante morena que lho serve com um sorriso invejável. Ele entra às 9:05 da manhã com o jornal debaixo de um braço e a pasta de couro no outro, seguindo para a mesma mesa de sempre.


Reparei como ela fica ansiosa sempre que o sininho suspenso sobre a porta toca perto das nove horas, e também como o seu ar aflito desaparece assim que os seus olhos batem nos dele. E ele leva o mesmo jornal há uma semana (que por duas vezes leu de pernas para o ar) para disfarçar o quanto a contempla naqueles vinte minutos.

Da minha janela, parecem-me apaixonados.

Passaram-se meses em que as únicas palavras que trocaram entre o "bom dia" e o "obrigada" foram uns pedidos do costume e meras observações meteorológicas quando o chapéu de chuva se juntava ao jornal e à pasta de couro. Um dia, o jornal e a pasta deram lugar a um ramo de flores e uma caixa de chocolates, e a vergonha que costumava adornar o rosto dele havia-se transformado em coragem.

- Bom dia! Então hoje não se lê o jornal? - a ironia das suas palavras notava-se no arquear da sobrancelha esquerda da morena, mas curiosidade estava a consumi-la. 

- Bom dia, Daniela. Hoje não. E hoje não venho pelo cappuccino. - pousou as flores e os chocolates na mesa, e num gesto convidativo levou-a a sentar-se à sua frente.

- Gostava de acreditar que não vens cá só pelo que bebes, mas também pelo que vês todos os dias que te sentas neste canto entre a janela e o meu balcão. - antes de terminar a frase, já se martirizava mentalmente.

- E tens toda a razão. Venho cá porque o meu dia é melhor sempre que te vejo pela manhã. - ofereceu-lhe o ramo de tulipas cor-de-rosa com as mãos trémulas e guardou a caixa de chocolates. As maçãs do rosto dela igualaram o tom das flores.

- Para...mim?

- Sim, para ti. E os chocolates também, mas só se aceitares jantar comigo.

Ao mesmo tempo que se sentia radiante pelo convite daquele homem misterioso sem nome que ela tanto cobiçava, não queria parecer uma mulher fácil de convencer. Estava curiosa sobre o rumo daquele pequeno-almoço, mas o seu instinto levou-a a questioná-lo.

- Jantar contigo? Nem sei o teu nome! E tu nem me conheces. - tentou levantar-se da mesa mas ele impediu-a, segurando os deliciosos braços dela e obrigando o espaço entre eles a diminuir.

- Sei que a tua cor preferida é o rosa, como essa borboleta que tens tatuada atrás da orelha. Sei que preferes ouvir jazz em vez da música comercial que passa todos os dias aqui no café. Sei que não gostas de chocolate negro, mas que te cresce água na boca quando pensas em chocolate branco. Não gostas de perfumes. Sei que não comes carne, mas adoras o cheiro a pizza acabada de fazer. Sei que a tua avó fazia o melhor pão da aldeia italiana em que moraste quando eras pequena, mas que já não te lembras do teu avô. Sei que a tua mãe está doente, e que o teu pai não está convosco desde que eras pequenina. E sei que gostas de jantar. Toda a gente gosta de jantar.

Os olhos dela estavam vidrados nele e na sua boca que a desmistificava com tanta facilidade. Ela nunca pensou que ele poderia conhecê-la; não quando apenas permanecia na mesa o tempo suficiente para que o cappuccino não arrefecesse demasiado. Claro que ela reparara que ele a via por cima do jornal da semana passada. Mas até que ponto estaria ele interessado nas pequenas conversas e desabafos que tinha com as colegas ou com os clientes da casa? Com as lágrimas a quererem mostrar-se, conseguiu apenas apertar-lhe as mãos nas dela, sem pronunciar uma única palavra.

- Posso não te conhecer bem, Daniela. Mas quero conhecer-te melhor. E se fores jantar comigo, ganhas estes chocolates. - só nesse instante é que a largou, abrindo a pequena caixa azul. - o meu nome é Francisco.

- Chocolate branco! - ela sorriu e tentou roubar um coração branco da caixa. Ele foi mais rápido, e fechou-a, causando um beicinho na morena.

- Jantamos hoje? Posso vir buscar-te às sete. 

- Sim, Francisco. Quero saber o que guardas na pasta de couro.

Ela seguiu-o até à porta que tilintou ao abrir e ele despediu-se dando-lhe um beijo no rosto. Os olhos dela continuaram a segui-lo muito depois de ele sair do café e até ao virar da esquina. Mordeu o lábio sentou-se na mesa onde ele deixara as tulipas. As colegas vieram ter com ela e os sorrisos estavam misturados com as perguntas que todas faziam.

É... Da minha janela, parecem-me completamente apaixonados.


2 comentários:

  1. Adorei o teu blog e já estou a seguir...se poderes segue o meu :)
    Beijinhos

    http://thesecretlifeofana.blogspot.pt/

    ResponderEliminar