Translate

30 de abril de 2015

Domingo

Era um domingo de Junho e eu teria metade de uma década de vida. O dia estava solarengo, com uma temperatura que convidava a dar um mergulho acrobático no tanque rústico que o avô enchia com a água gelada do poço.

Apenas passeava uma brisa envergonhada no ar, envolvendo o ambiente daquela tarde em família.

Saí apressadamente para o jardim da casa do avô e comecei a correr atrás da Pipoca. A Pipoca era a cadela velhinha, mas completamente energética, dos avós. Mal me chegava aos joelhos, mas conseguia sempre correr mais depressa que eu. O que não seria um problema, se não nos embrulhássemos sempre na terra a lutar, sujando ela o seu pêlo branco, e eu a roupa de domingo. Inevitavelmente, a mãe começou a deixar-me trocar de roupa assim que chegávamos a casa, e o vestido com rendas para levar à igreja era substituído pelas calças esburacadas que já tinham sido do mano e uma camisa gasta que já não tinha dois botões.

Enquanto eu fazia bolinhos com  terra e areia (ou, como eu lhes chamava, biscoitos de chocolate com açúcar), a mãe tinha um avental azul como o céu e começou a apanhar as laranjas para fazer o meu sumo preferido.
O pai grelhava a carne suculenta no fogareiro, e o avô estava a cortar a relva, enquanto o mano e a avó lavavam a alface para o almoço.

Sem que pudesse dar por isso, aquela brisa envergonhada que nem força tinha para atear o lume, revolveu os meus sentidos, e inundou o meu pensamento desprovido de defesas. 

O cheiro a verde da relva acabada de cortar dissimulava-se com o aroma suculento da carne que o pai virava nas brasas. O doce bago de laranja que a mãe me dera à boca explodia na minha língua, contrastando com a rude fatia de pão com manteiga que o mano roubara à avó e que deliciosamente repartia comigo. A toalha que a avó punha na mesa de madeira, à sombra do salgueiro mais velho que o avô do avô, era mais amarela que o sol, e o boné que o pai usava era quase tão verde como os seus olhos. 

Os cheiros, os sabores, as cores... Tudo aquilo era tão fascinante! Sentia-me tão pequenina e, no entanto, tão completa.

Naquele domingo, sentada na terra a brincar, fechei os olhos e, pela primeira vez na minha vida, saboreei, absorvi, senti... Pude ver e viver a beleza das coisas simples que nos rodeiam. Naquele dia, saboreei a inocência de ser criança, absorvi a felicidade da minha família e senti que nada me faltava para ser feliz.

2 comentários: