Translate

24 de junho de 2019

Laços

Era o terceiro dia de verão, mas o céu adivinhava-se cinzento e chuvoso, assim como os pensamentos que teimavam em baralhar os seus sentidos, e inundar as boas memórias que se esfumavam por entre as brigas e desapegos que os separaram.


Um dia escuro e sombrio, como haviam ficado as palavras entaladas na garganta e os sentimentos que se calaram por orgulho.

Ele tinha-a na mão, como sempre tivera. Segura entre os dedos que tão bem encaixavam nos dela, como se a sua única função fosse essa. Mas as mãos outrora entrelaçadas, seguiam caminhos diferentes, e os laços que os prendiam um ao outro pareciam agora laços de força, incapazes de superar tantos apertos de coração e nós na garganta.

Chegou um dia - um dia cinzento e chuvoso - em que as mãos se soltaram. Sem muito a dizer, sem nada mais a fazer, ela soltou-o, sem nunca olhar para trás. Ele deixo-a livre e fugidia por entre a chuva que lhe pareceu mais pesada que nunca, levando-a e lavando-a da vida tenebrosa que viviam.

A vida passou por eles, e pessoas passaram pelas suas vidas... Caminhos cruzados, sem nunca se esquecerem dos laços que se tornaram nós. Chuvas caíram de nuvens negras, invernos gelaram as estradas longas que os separavam, e as primaveras eram poucas para florescer qualquer esperança de um reencontro. 

Era o terceiro dia de verão, e o céu cinzento e chuvoso abriu-se timidamente, deixando um raio de sol iluminar o jardim onde tantas vezes passeavam. O jardim secreto que eles construíram no último verão, com as suas próprias mãos. O jardim onde partilharam histórias, sorrisos e lágrimas. O banco onde leram o mesmo livro, com uma década a separá-los. O lago onde a lua espelhada iluminou o primeiro beijo que ela lhe roubou. A árvore centenária que tantas vezes lhes serviu de abrigo do sol que lhes queimava a pele. O passeio interminável, que os levara a lugar nenhum, mas que lhes serviu de destino. Um destino fugaz no tempo, mas eterno na memória. 

O jardim de verão que ficaria para sempre deles; secretamente deles. Assim como o amor que tinham um pelo outro. Eterno. Secreto. 

Por muitos nós que ficassem por desatar, há laços que não se desenlaçam, por muito laços que fiquem.  




Sem comentários:

Enviar um comentário