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10 de fevereiro de 2016

Suficiente

Adiaram a conversa tanto quanto possível, mas o inevitável teria lugar naquela tarde chuvosa.

No meio de tantas razões, desculpas e promessas falhadas, ele levantou a mão em frente ao rosto dela, calando-a da forma que mais a irritava.


- Tira os óculos de sol.
- Desculpa?... 
- Podes tirar os óculos, por favor?
- Mas porquê?!
- Porque te quero olhar nos olhos quando falas comigo.
- Isso não faz sentido nenhum!
- Claro que faz...
- Ah sim? Então porquê?
- Primeiro porque não está sol. Depois, porque estamos dentro de casa. E por último porque, ao contrário das palavras que te saem pela boca, os teus olhos não me conseguem mentir. 

O rosto dela entristeceu-se, igualando a mágoa que os óculos escondiam. Antes de sair de casa camuflara as olheiras com a maquilhagem, e as lágrimas com os óculos que ele lhe oferecera. Lembrou-se que ele os adorava. Sabendo que teria de lhe mentir, ensaiara o discurso pelo caminho, estudando todas as alternativas imagináveis e decorando todas as respostas plausíveis. Só se esquecera de ensinar os olhos a não chorar.

- Eu não estou a mentir...
- Acabaste de o fazer. Ainda não percebeste que te conheço melhor que a mim mesmo? Ainda não consegues perceber que me bastas?
- Isso não chega Miguel. Eu não chego. Não posso chegar...
- Quem decide isso sou eu. Mas que raio! Pára de te achares tão pouco!

Ele agarrou-a com força suficiente para a prender junto ao peito, sem nunca a magoar. Afagou-lhe o cabelo loiro e deixou-a chorar incessantemente. E assim ficou até que ela cedeu, agarrando-se também a ele. Com o rosto escondido, engoliu a vergonha e confessou a sua tristeza.

- Tu mereces melhor, Miguel. Mereces alguém que te possa acompanhar nas tuas aventuras, que te consiga ouvir todos os dias, que tenha forças para te ajudar. E esse alguém não sou eu...
- Continuas sem perceber, amor... - aquela palavra aqueceu-a de tal forma que os olhos brilharam e se cruzaram com os dele - Não percebes que não quero aventura nenhuma se não for partilhada contigo? Que há dias que te quero ouvir a ti, e nada dizer? Que tu és a minha maior força, mesmo quando não a tens para ti? És tu, amor. Só tu! Tu chegas.
- Eu sou suficiente?
- Muito mais que suficiente.



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