O dia era negro como os corações dos que seguiam a procissão até à sua última morada.
Os pássaros vagueavam em silêncio, sem rumo, como se de almas perdidas se tratassem.
O cheiro do fumo das lareiras apagadas há poucas horas inundava o ar pesado que lhes enchia os pulmões cansados. A chuva caía como se os céus chorassem também a sua partida, e a terra ficava ensopada como os olhos dos que se despediam, tentando esquecer aquele dia. O dia do seu último adeus aos que deixava para trás. Deixava família, amigos, amantes. Família de sangue e de outros. Amigos de uma vida e de ocasião. Amantes de cama e da sua carreira. Mas deixava muito mais que isso. Deixava estórias para contar. Estórias do que queria ter vivido, e não pôde. Estórias do que queria ser e não foi. Estórias que escreveu, mas não viveu. Deixava saudade, tristeza e solidão. Mas deixava também amor, carinho e partilha.
Viveu até morrer.
Morreu porque assim tinha de ser.
Morreu, mas deixou vida.
Uma vida vivida, cheia de memórias que agora seriam partilhadas pelos que o sepultavam.
Na sua lápide estava gravado “Que os meus erros sigam comigo, e que as minhas vitórias vos guiem.”
No leito da morte, apenas pediu uma coisa: que não lamentassem a sua partida.
“A única coisa certa que temos nesta vida, é comum a todos os seres: um dia vamos morrer. O meu dia está perto, mas não deixarei que isso me assuste. A dor vai acabar. A minha e a vossa. Não deixem que a minha morte vos roube a vossa vida. Vivam-se uns aos outros. Encontramo-nos do outro lado.”
Assim escreveu na carta que deixou para ler na sua homenagem fúnebre. Assim tentou aliviar a sua ausência nos que ali trajavam de preto e branco.
Os rostos, apesar de cansados e frios, não mostravam revolta. Não mostravam rancor. Mostravam carinho e amor.
Um amor que transcendia qualquer realidade, figuras de tempo e de espaço. Um amor que viveria eternamente em cada coração dos que cá deixava...
E, lá de cima, soube que podia partir em paz.
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