Translate

8 de junho de 2017

Perdidos

Lembro-me do dia em que quase te conheci. Aquele dia em que não era suposto estarmos ali, nem eu, nem tu, nem naqueles lugares trocados de comboio. Naquele comboio frio, vazio e sem cor. Mas ali estávamos nós. Só eu e tu. E quase nos conhecemos. 

Deixámos que as nossas mãos se tocassem, sem que nada sentissem, porque a correria das nossas vidas não nos deixou demorar no momento em que quase nos perdemos.


Foi uma viagem bonita, porque me permiti rodear de coisas bonitas: os campos e as searas a fugir pelo horizonte, os teus olhos que se perdiam nos verdes e castanhos do campo, como se procurassem a cura para a solidão que te adornava timidamente o sorriso. Até as crianças barulhentas, os velhos rabugentos e os jovens a querer ser adultos com as suas conversas tão desconexas e impetuosamente audíveis fizeram daquele cenário o momento perfeito para quase conhecer o amor da minha vida.

Não te conheci nesse dia, nem no seguinte, nem no outro. Na verdade, nunca mais te vi naquele comboio que apanhei por engano porque me perdi no caminho para a estação. E fiz mais catorze viagens nesse comboio, essas com intenção, e apenas com o propósito de te encontrar de novo.

Mas acontece que também tu andavas perdida, num comboio que não era o teu, com um destino que nada te dizia. Apanhei mais vinte e oito comboios, mas nunca mais te vi. Nunca mais vi aquele que podia ter sido o amor da minha vida.

Um dia, a caminho de casa no meu comboio, lá estavas tu; sentada no lugar da janela, com o olhar cansado, mas brilhante como no dia em que quase te conheci. Tanto te procurei, e tu é que me encontraste. Sem demoras, quis acomodar-me ao teu lado, mas antes de me sentar, receei que não me conhecesses. Afinal, um toque de mãos não chega para se saber quem é o amor da nossa vida.

Mas tu esticaste a mão, convidaste-me a sentar, e disseste algo mais que se baralha na minha memória que apenas se consegue focar no quão bonitos são os teus olhos. Conversámos durante toda a viagem, partilhámos um táxi até casa, e percebi a meio do caminho que nos conhecíamos à uma vida toda. Estiveras sempre ali, a morar no prédio ao lado do meu. Todos os dias te vi a passear o cão, todas as manhãs te vi na estação, e todas as noites te vi a despejar o lixo. Mas não te vi. Porque não estava com atenção.

Só naquele dia, no dia em que nos perdemos, é que nos encontrámos.
Precisei perder um comboio para encontrar o amor da minha vida. 

Sem comentários:

Enviar um comentário