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28 de agosto de 2015

Luar

A lua estava cheia como um balão de ar quente e o seu branco brilhante era graciosamente divino. As estrelas brincavam no manto do céu, inundando os olhos dela com a sua luz intermitente.

Sentou-se no beiral da janela, e ergueu o olhar para os céus, deixando o cabelo negro como a noite escorregar-lhe pelas costas.



Deixou-se hipnotizar pelas sombras cinzentas que decoravam a pérola dos céus e viajou pelas recordações que ocasionalmente a visitavam. 

A transparência dos olhos tímidos do avô que se escondiam por trás das lentes graduadas dos óculos de ler, sempre apetrechados com um cordão castanho nas hastes. Ele era o seu herói velhinho, com quem partilhava o gosto pelos carapaus fritos com arroz de tomate. A cor garrida das unhas da avó a enlaçar a linha do croché nas agulhas que pareciam bordar o rebordo do pano a um ritmo industrial. Ela era a sua contadora de histórias que a engordava com os melhores doces caseiros do mundo. Eram as suas memórias, dos pais do seu pai. 

Lembrava-se, sem esforço algum, da voz do seu avô ao telefone quando ouviu sorrateiramente um telefonema pelo aparelho do quarto em 1995. O grito de felicidade escapou-se-lhe da garganta quando soube que iria receber o filme da Pocahontas pelo natal. A surpresa ficou arruinada, mas o sorriso manteve-se até à décima terceira visualização do filme - altura essa em que a fita da cassete já acusava cansaço. Ainda hoje, quando revê o filme, a felicidade inunda-lhe o sorriso; e a saudade os olhos.

A voz da avó ecoa na cabeça sempre que passa pela antiga moradia da família. O carinho invade-lhe o peito quando olha para o muro e relembra as horas passadas a brincar aos polícias e ladrões. A rua era toda das crianças que ocupavam as valetas a jogar ao berlinde e a caçar minhocas. Só quando a avó vinha à janela e a chamava num grito demorado e estridente, reparava que se aproximava a hora do jantar. Ainda hoje, quando olha para aquela rua, a nostalgia conquista-lhe o sorriso; e a saudade os olhos.

Lamentável, mas inevitavelmente, recorda os momentos em que a vida começou a escapar-lhes dos corpos guerreiros... Lembrou-se da cadeira de rodas em que o avô se deslocava e dos passeios que fazia ao colo dele. Lembrou-se da cama articulada em que a avó passavas os dias e as noites, cuja beira estava sempre ocupada por quem a amou.

E cobiçou o céu. Invejou as estrelas porque tinham os seus avós como companhia. E pediu à lua que a embalasse no seu brilho ofuscante, balouçando ao compasso da noite.


Pudesse a lua, por mero descuido, conceder-lhe uma passagem de ida e volta. 
Pudesse o sol iluminar o caminho de regresso a este mundo.
Pudesse ela ter mais um dia com os seus heróis.
Pudesse o mundo girar ao contrário.
Só por um luar.


2 comentários:

  1. Muito bonito Claudia, es uma menina espetacular.Beijo grande e continua sempre assim como es!

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